04 abril 2015

[Crônica] Uma buzina, um tiro de pistola e o despertar de um novo olhar

Olá pessoal... Hoje decidi mostrar pra vocês uma crônica que fiz no 4º período da faculdade (semestre passado). Falo sobre algumas experiências que tive com o "mundo animal" rs... Conto até mesmo sobre o dia em que ajudei a vaca a parir, é mole? É... não é brinquedo não, hehehe. Espero que gostem.

Uma buzina, um tiro de pistola e o despertar de um novo olhar

É sábado cedo, lavo o rosto ainda com sono, a casa toda em silêncio, meus pais já haviam ido para a fazenda. É assim todo fim de semana. Ouço uma buzina vindo da rua, é meu primo Thiago, veio perguntar se quero carona. Digo que sim e corro para pegar minhas coisas. Com tanta chuva, hoje não é um bom dia para ir de moto pra roça, é melhor uma carona. Ele me diz que irá passar em uma fazenda para pegar um porco e depois seguiremos o nosso destino.

Lá vamos nós.

Em silêncio dentro da caminhonete, começo a pensar onde estamos indo, como deve ser o lugar, coisa e tal. Sofro de ansiedade, é assim com qualquer coisa.

- Onde estamos indo?

- É uma fazenda, com criações de animais. É grande, vende para os mercados da região.

A entrada está bem a minha frente, parece um monumento histórico e não uma entrada de fazenda. Continuamos, dez minutos adentro, me vem os ruídos, o barulho se mistura, pelo jeito há vaca, galinha, porco e alguma coisa mais que não consigo identificar. Meu primo desce da caminhonete, desço logo depois dele, começo a segui-lo. Somos recebidos, o que viemos buscar está nos esperando. Entre um cumprimento e outro, o senhor que vem lá do fundo chama o Thiago, diz que a vaca Moranga irá pro abate naquele momento, fazendo sinal, chamando. Como se fosse alguma atração, meu primo me diz “Quer vir?”, eu que não estava fazendo nada, acompanhei.

Seguimos em um corredor escuro e com mau cheiro, cheio de animais. Saímos do outro lado... Um corredor de vacas uma atrás da outra em fila indiana, um homem sentado no alto com uma pistola em mãos, aquilo começou a parecer filme de terror. Então ali está a Moranga, primeira da fila. Eles começam a conversar, e eu começo a observar o que está acontecendo ali. A tal Moranga tem cara de desespero, eu nunca tinha observado que um animal pudesse se expressar assim, talvez porque nunca tinha visto um confinamento. As demais vacas que vem atrás, sentem o que está acontecendo, eu acabei de chegar, mas elas não, elas já estavam ali. Como o desespero é nítido.

Sem que eu concluísse meus pensamentos, ouço o barulho fraco da pistola. Quando olho, Moranga pula subitamente pra trás e cai, se agonizando. Nesse momento, começo a perceber de verdade, que sim, aqueles animais sentem. Não é um agonizar rápido. É demorado. Os segundos passam lentos, vendo aquilo, parece que não acaba. Da pra ver que ela está sentindo dor. Sabe quando você sabe de algo, mas nunca parou pra pensar sobre? Era isso. Eu nunca parei pra pensar que aqueles animais eram assim, sentem, se agonizam, sofrem... Por instinto, as outras vacas queriam voltar, sair daquele lugar. Mas havia alguém para obriga-las a continuar ali.

Eu, que não era obrigada, saí. Como quem foge da realidade. Quem seria a próxima?
Como se não fosse suficiente, meu primo e eu seguimos nosso destino. Fomos para o nosso rancho.

Chegamos, entramos e eu ainda pensando no que havia visto.

Meu pai, nos vendo chegar, chamou meu primo, que é veterinário para ver o que estava acontecendo com a Mimosa, uma vaca nossa. Mimosa não estava bem e não conseguia ter o bezerro, Thiago que já está acostumado, pegou suas coisas e foi tranquilamente ver o que era. Eu que já estava com ele, mais uma vez fui atrás. De fato a vaca não conseguia colocar pra fora seu filhote. Thiago começou a fazer um tipo de massagem e alguma coisa que eu não conseguia entender, arreganhou a vaca e começou a puxar o bezerro, que já estava com um pedacinho da perna pra fora, mas Mimosa não tinha força para tirá-lo, aliás, não tinha força nem mesmo para achar ruim, nós dois ali perto.

Meu primo virou pra mim e perguntou “já ajudou uma vaca a parir?”. Não, eu nunca tinha feito aquilo, e lá estava eu, puxando com toda a força que tinha, aquela vida que estava nascendo, como um parto normal, como um bebê que sai de uma mãe, vi a cabeça do bezerro e fomos tirando toda aquela meleca que o encobre, saindo aos poucos... Pronto, o bezerro estava no chão e Mimosa conseguiu forças para limpá-lo, para senti-lo, como toda mãe faz.

Era um mundo novo que eu acabava de reconhecer, mas era muito pra mim em um dia só, e pensar que são milhões de cabeças abatidas todos os anos, o que é tudo isso perto de uma fazenda no interior de Goiás... Ou deste animal, que ajudei a sair para o mundo, mas que já nasceu condenado... Afinal, sua mãe e ele, certamente terão o mesmo fim que Moranga e tantos outros.
Comentários
2 Comentários

2 comentários:

  1. Essa crônica partiu meu coração. Já tentei ser vegetariana tantas vezes, sempre motivada por coisas assim. É tão triste saber que elas sentem e que as matamos por puro prazer, pq afinal, da pra viver sem carne.
    Foda tudo isso, faz a gente pensar muito.
    Mas enfim, sua crônica ficou maravilhosa, muito bem escrita.
    beijos.
    http://www.amandatelo.com/

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    1. Que bom que partiu o coração Amanda... Quer dizer que passei o que sentia.
      Sim... Por puro prazer e costume, matamos milhares de animais todos os dias. Isto é muito triste.
      Obrigada!
      Beijos!

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